sábado, 19 de setembro de 2009

Lóki: loucura e consagração de Arnaldo Baptista

Por uma destas felizes coincidências que calham acontecer, o Canal Brasil liberou o sinal e, finalmente, pude assistir ao documentário Lóki. Nele se conta a vida e a obra de Arnaldo Dias Baptista, figura das mais importantes na história do rock nacional que, em meados da década de 1960, ao lado de seu irmão Sérgio Dias e Rita Lee, ajudou a criar a banda "Os Mutantes". Ao lado d'Os Mutantes, Arnaldo foi um divisor de águas em nossa história cultural e musical recente, tendo demonstrado uma rara sensibilidade criativa para fundir a MPB (seja lá o que significa isso hoje!) com o conjunto de referências musicais que começavam a chegar no Brasil: especialmente do rock britânico e norte-americano. Sem dúvida, Os Mutantes foram os que melhores souberam processar essas referências, ainda que não tenham sido os únicos. Não bastasse isso, Arnaldo teve uma das trajetórias mais intrigantes e bizarras de nossa história musical; cheia de altos e baixos; drogas e psicoses e cujo desfecho trágico foi uma suposta tentativa de suicídio, se jogando pela janela do terceiro andar de um hospital em São Paulo. Isto, em 1982, quando tinha apenas 33 anos. Por muita sorte não morreu, embora tenha ficado com sérias sequelas, perceptíveis ainda hoje. E, talvez por isso mesmo, ao invés de virar uma lenda ou um mito norteador do rock brasileiro, Arnaldo foi lentamente se materializando em uma de suas músicas do albúm Lóki (1974), sintomaticamente chamada "Será que eu vou virar bolor": "o que é isso meu amor/será que eu vou morrer de dor?/Será que eu vou virar bolor?".

Nada mais profético. Arnaldo foi gradativamente embolorando, guardado em algum armário que as pessoas deixaram de abrir por um bom bocado de tempo. Lógico, o acidente não foi o único acontecimento que contribuiu para isso. Ele apenas foi o fecho dramático de um processo de loucura que, regado a muito LSD, foi se desencadeando em meio às turbulências e tensões que levaria a duas importantes rupturas: a primeira, com Rita Lee, sua primeira namorada e esposa e , depois, com Os Mutantes. A sequência foi uma série de álbuns solos - mais aqueles junto ao Patrulha do Espaço, nos quais Arnaldo passou a compor músicas cada vez mais insanas e confessionais. A voz grave e irreverente dos tempos de "Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha meu Rock'n Roll, vai cedendo espaço para uma voz suave e rouca, embalado por um piano quase sempre melancólico. Com Os Mutantes no passado, Sérgio Dias longe da cena musical brasileira e Rita Lee consolidando sua carreira solo, a carreira solo de Arnaldo não duraria muito. Voltou a ser notícia com o acidente para, logo em seguida, sumir novamente, recluso num sítio em Juiz de Fora, onde conseguiu se recuperar de maneira notável, em muito, graças à pintura. E, talvez, continuaria sumido não fosse o (re)descobrimento dos Mutantes por um público influente internacional (entre eles, David Byrne e Curt Cobain) e, agora, por este documentário, o qual busca recuperar a (justa) importância de Arnaldo dentro dos Mutantes, mas também na música e no rock brasileiros em seu conjunto. Uma importância que, inclusive, o documentário busca a todo instante ressaltar através de entrevistas com músicos e experts, nas quais comparam a "revolução estética" empreendida pelos Mutantes com a dos Beatles. Na verdade, isso pouco importa. Suspeito, mesmo, que a comparação é equivocada, uma vez que cada qual atuaram em contextos muito particulares, mobilizando recursos e tradições musicais diferentes.

Insano demais para permanecer em evidência em seu tempo, Arnaldo e sua loucura retornam agora como os elementos que dão força e evidência a sua obra, como justamente aquilo que o transforma, paradoxalmente, no músico "a frente de seu tempo"; o gênio "incompreeendido" e "embolorado" que, injustamente, caiu em desgraça. Certamente será matéria farta na mão de críticos, selos independentes (ou não) e paulistanos descolados, frequentadores de espaços Itaú. Mais uma vez retorna o velho tema do gênio incompreendido e que, infelizmente, continuará a ser incompreendido por ser tratado como alguém que produziu algo que não foi entendido em sua época.